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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Das portas & janelas - Vol.2 - Esboço nº 6



 
As escadas vieram depois.
Do desconforto das irregularidades das pedras grandes a servirem de degrau até à porta já ninguém quer lembrar, ninguém tem vontade de ter presente o descompasso do susto, os beijos às escuras, os toques profanos de senhas combinadas como que a dizer sou eu, abre que sou eu que venho buscar-te e levar-te de vez. 
A memória tem destas coisas, lava a sujidade da consciência e deixa de depósito os contornos de uma história a contar.
Não contam que era a porta das traseiras, os fundos, o de trás, o dê a volta para que não se veja quem não tem importância.
Fomos importantes, somos importantes.
Fizemos daquela porta carne de gente, sangue de uma aldraba que se aquecia por cada vez que alguém a cingía a bater na madeira, o chamamento aos do fundo, aos da vergonha, aos que da noite iluminaram degraus, ombreira, pátio e até o padre veio para jogar uma água benta, não fosse o caso de lhes termos deixado enguiço na soleira que adentrasse e fizesse maleita ao senhorio e afinal eu só te quería bem, a minha mão a aconchegar-se à tua por perto sem ser no arranhar da porta por saudades de te ver fechá-la nos cuidados de sermos agarrados como malfeitores.
As escadas vieram depois de partirmos.
Rápido.
Mas só para compor que depois de nós é tão só uma porta. 
 
 

 
(in Das portas & janelas-Vol.2, Agosto-2015)

 
Todas as fotografias da Colecção Das portas & janelas-Vol.2 são da autoria de Eduardo Jorge Silva

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