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quinta-feira, 17 de março de 2016

O céu da boca (Palavras Reencontradas) 14



 
[...]
 
Pára.
E eu paro. Um sinal de stop que me trava a fundo, cansada, exausta, não pela mão sacudida da dormência do gesto de segurar a caneta, há calo, aperto o pulso, fecho e abro a mão e se for preciso passo para a esquerda, paro porque a verdade das palavras sempre me impôs a transparência dos sentidos e da transmissão que isso me custava, quantas peles a despir, quantos eus, tanto de mim sem falar de mim, sem haver diários ou o resvalar de uma piedosa confissão de dores na lágrima a pedir outras em comunhão até - drama! - se chegar a um ranço detestável de novela.
Pára e eu parei de gostar.
O céu da boca acinzentou-se em palavras que me sabíam às de sempre, um cozinhado sem apelo de novidade ou sal demasiado a disfarçar ingredientes pobres ou no extremo, a ausência de tempero que desse  a volta ao verbo. A língua parecia-me morta, eu cansada das letras por me ter enfartado na comilança delas, um enjoo em que nada me parecia apetecível por tudo me saír plastificado.
No estático da caneta descobri a sombra que a caneta fazia sobre o branco das páginas, a beleza de reencontrar dizeres na forma mais simples e mais despida de tudo.
Sim para querer.
Não para afastar.
Amor para escrever.
 
 
[...]
 
 
(in O céu da boca (Palavras Reencontradas), Setembro 2014)

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