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domingo, 24 de janeiro de 2016

A distância da memória [às palavras]


 
Conforme o fastio chegou assim a abundância das palavras se apresentaram, renovadas não sei, balsâmicas para o alivio da queimadura da tristeza da saudade é como mais as sinto, quase frescas como um perdão embora não saiba qual o meu pecado. Talvez a distância, a não-distância dos cheiros e sons, o face-a-face com os instantes que se disparam luminosos e repetidos a pedirem para serem incalculavelmente visitados e  o aperto da mão esticada ao nada.
Ouço-lhe as patas no soalho, a respiração profunda das brincadeiras que mantivemos por mais de dez anos, o arrebitar das orelhas e o aceno da cauda felpuda, tudo pedaços que vou colhendo do chão em tufos de pêlo que despontam como memórias do palco que guardei em caixas de cartolina grossa.
Na verdade, as palavras que agora pediram para se escrever são as que não sou capaz de dizer, guardo-as, há coisas profundas que se devem manter no silêncio da tinta, diluídas, para que aos outros não ofenda a nossa tristeza.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Não me apetecem palavras



 
Não sei o que me apetece porque nada me serve e tudo o que diga serão apenas palavras de dizer, veículos de som para contar o que não me apetece dizer, não quero responder, não quero pensar em palavras escritas e tão pouco estas têm aparecido para me visitar.
Talvez se tenham ido de vez.
Afogado lodosamente num pântano até se estagnarem de esquecidas na vivacidade que possam um dia ter encontrado à luz do sol ou no tactear adivinhado nas noites misteriosas, serão restos de restos, um acumulo de despejo escondido sem som nem vontade que se afasta pelo cheiro fétido do tempo, esquecidas.
Uso as palavras como uso de esquecidas, de não escritas, de um obrigado que se aprendeu, de não tenho fome de prato esticado, de horário em relógio sem corda, digo palavras para saberem que as sei dizer e que as sei calar por não lhes saber o que fazer quando as olho mudas a fitarem-me à espera que as chame.
E eu sem vontade.
Sem saber o que me apetece enfartando-me no lodo.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Do lobo em mim [era ele]




Não foi só ele que se foi, a ferida no peito aberto tem o lugar a menos do pedaço que lhe era, afinal o todo funcionava quando estávamos juntos, um pendente de carne disforme e musculada que não sente, incapaz, dormente, atrapalha porque sobrevive ignorante.
Foi-se-me o que era de lobo, tão mais humana me tornei e estúpida, na passada a dois pés que lembram as pegadas do cheiro pelo soalho ou os diálogos no castanho dos olhos à espera fitos da resposta do seguir.
Eu fiquei.
Para trás.
Numa ferida que desesperadamente lambo na memória da cura do pêlo, onde não há carne, onde não há osso.