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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Tudo o que não se vê [é tudo o que tenho]



Apagam a luz. E uma claridade ilumina os meus olhos, os meus passos, as minhas mãos. Tudo visível, palpável, as cores nomináveis como semelhantes a frutas que se trincam ou odores que em fumos espessos se infiltram nas narinas saindo pela boca em palavras. Comoção. Alegro-me de tanta coisa que não tenho adiante e é tudo o que possuo, os dedos a tocarem em invisibilidades da memória, abraços, discursos repetidos no diálogo a outros, as saudades de os rever, a claridade a engrandecer até à cegueira.
Abro os olhos. Todos os ruídos abafam os cheiros das palavras e todos os revisitados se afastam, deles nem um ponto pingado como um descuido da caneta demasiado cheia, demasiado parada nos dias últimos.
 
Ligo o interruptor e abro o caderno. As páginas cheiram a velho. Folhas em cru sem nódoa de verbo, encostadas a outras com muitas letras e alguns riscos, desenhos que não querem dizer nada, apenas traços de quando a claridade chega e a vontade de escrever é demasiada que a refreio na contenção de uma parede de tinta azul-china. 
 
Andei triste, até a vontade de fazer traços me seguraram. 
Mas fecho os olhos e no toque do aparo da caneta derrubo qualquer um.
Rejuvenesço páginas e cores de frutas vêm saciar-me a secura de tantos dias de escuridão.

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