- Mãe, o Chiado está a arder!
Mas antes já eu vira o vermelho, o dourado e o negro com que se come no lume as cousas da lembrança que rápido se devoram amachucadas por mãos invisíveis que torcem e rebentam e depois se erguem ao lado na ousadia de nos mostrar a pequenez da humanidade perante o lume a destruír a memória.
Cá do alto, na travessia do rio numa manhã de Agosto tremenda de sol e Verão como não devería acontecer quando em dias de desgraça se pede por chuva para apagar o que se aponta, olha o fogo, olha o que arde, é Lisboa, e todos e mais eu levámos as mãos à boca para tolher o grito do não, para engasgar as lágrimas que guardámos para deitar sobre a labareda mais arisca que se atreveu a fazer-se de parede e de chão e a levar-nos os passos.
- Mãe, o Chiado está a arder!
As contas de vidro, as rendas e os brocados, os lanches mimados, as passeatas a propósito de coisa nenhuma, a escada rolante de sobe-e-desce, as músicas de fora e a calçada portuguesa muito lustrada de tanto salto alto encravado no pensamento que agarro com tanta força que queimo por dentro mais forte que o dia me leve este dia que me há-de esquecer.
- Mãe, o nosso Chiado está a arder!
*Memória de um dia, 27 anos depois
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