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terça-feira, 9 de junho de 2015

Portas & Janelas - Esboço nº 19



Por vezes a salvação resta tão só por dentro, na inspiração das palavras mexidas entre língua e dentes, mudas pelo próprio, uma estória contada para entreter tempo ou evitar o salto para o buraco, é desta vez que escapo ou é desta vez que escapo, para onde, para onde, e a pergunta acaba a ser respondida nesse fio dos olhos a perpassar a parede, a janela fechada, a porta batida que devería estar aberta, planos a um só plano que se distorcem e decompõem pela medida do verbo.
Sem que se pressinta o som a mão alcança o fecho e abre.
Estava fresco porque assim se quería, assim se desejava, um escuro mas não tão escuro que velasse a imagem no recorte do vestido branco, a cadeira, um espaldar de costas ligeiramente curvo pelo peso da emoção, frémitos, o desejo de um soluço na adivinha de uma lágrima fria no rosto escaldado.
Cá fora tanta luz.
Silêncio dentro da boca. A língua procura o filme na continuação, as mãos dadas a amachucarem o tecido do colo no disfarce da espera do discurso, primeiras palavras...
- Voltaste.
Talvez a devesse levantar e rodar para lhe ver a face. Ou então mantê-la assim, misteriosa, ele distante, fazê-la sofrer um pouco mais, a ele o papel de juíz, uma decisão agora, o poder das palavras a rolar entre dentes e língua, quase uma vingança. Mas o que deseja e o que desejava que tivesse acontecido era que nada tivesse acontecido. Pousa-lhe as mãos sobre os ombros brancos.
Sem que pressinta tudo volta à luz do dia. Ao momento do segundo estalar a hora exacta.
Olhou a janela, a porta fechada e seguiu caminho.
Na boca sentía um gosto de despedida.


(in Portas & Janelas, Agosto-2014)

Todas as fotografias da Colecção Portas & Janelas são da autoria de Eduardo Jorge Silva

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