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sábado, 6 de junho de 2015

Caixas [Esta face para cima]


 
Manias, perfeições, arrumação, lembrança, histórias, conversas, entardecer, desarrumação, correria, sózinha, recolha, recordações, caixas, arrumação, perfeições, manias, silêncio.
Todas estas palavras poderiam corresponder ao ciclo completo de um dia de arrumações, geralmente com o argumento de que a arrecadação tem tralha que não serve para nada nem a ninguém, ocupa espaço que daría serventia a coisas bem melhores. Sei o que me espera, sei o que vai acontecer, conheço-me, sei de cor as tralhas que não têm utilidade a não ser a mim e à minha alma, não pelas coisas mas pelo toque seja dos dedos seja dos olhos e do ressurgir das emoções na vivência lembrada dos instantes. Sei o desvendar das tampas de cartão de cada caixote onde se abrigam cadernos velhos, conchas apanhadas na Ilha do Farol ou na Zambujeira do Mar, Sesimbra, Figueira da Foz, por mim ou pelo Pai, bolotas de castanheiro e de eucalipto, as primeiras sapatilhas, a primeira prova escolar, o furador, crivador e bastidor da Mãe, renda de bilros inacabada de uma avó, a roca do meu irmão, cartas, muitas, tantas cartas de amor entre homens e mulheres. Sei que me hei-de perder a contar quem eram, a explicar o que faziam e o que disfarçavam numa carapaça aparente de frieza. Há-de ficar tardar e eu hei-de calar-me para falar apenas com as coisas que não fazem falta a ninguém e só ocupam espaço. Porque detesto coisas desarrumadas e o dia foi-se, arrumo tudo, componho tudo numa mania limpa de deixar espaço onde ele não existe porque por dentro de mim estas coisas que não fazem falta a ninguém são-me, e até mesmo daqueles que nunca senti o cheiro e apenas conheço a letra ou ouvi contar por outros que os conheceram fiquei a gostar deles e a desprezá-los, mas guardo tudo porque é tralha comprimida, acumuladora de alma. Hoje consegui apertá-la ainda um pouco mais. Perfeito.
O que é que deitaste fora?

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