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quarta-feira, 20 de maio de 2015

Portas & Janelas - Esboço nº 18



Encostou-se à parede. Ela como habitualmente, estava atrasada, haveria de chegar com explicações justificadíssimas sobre uma qualquer situação que só a ela acontecía e ele haveria de retorquir sobre o tempo de espera, uma, duas vezes e depois seguiam para a repetição da próxima vez sempre e de novo como um ritual. Por isso, ele procurou a sombra, encostou o dorso à parede e vagueou o pensamento pela paisagem defronte, ao redor, mirou o chão, observou um carreiro de formigas e seguiu-as na sua fila até à escalada de uma casa apertada entre dois prédios, uma casa decadente, de uma só janela abandonada, quase amparada pelo sufocar dos edifícios brilhantes que a ladeavam.
Caminhou até se pôr de frente à janela.
Aparentemente ninguém. O reboco carcomido e a exibir o esqueleto dos tijolos, a argamassa devassada pelos encontrões do tempo e a ignorância da mão do homem. E as formigas lestas, laboriosas nas suas filas aprumadas para lá e para cá, muito decididas e esquecidas do prédio ao lado e do outro também, só a casa feia lhes interessava.
A ele, a janela. Como um olho aberto. Do resto, parecia-lhe um mundo fechado, uma cegueira pensou consigo, e achou-se estranho de meditar em tais coisas porque sempre fora um homem terra-a-terra e nunca perdera tempo a pensar em explicações rebuscadas em sentidos poéticos e naquele momento uma tristeza profunda tomou-o todo e só lhe apetecia estar dentro daquela casa escura para não se sentir sozinho, ele e a casa.
Agarrou uma pedrinha e atirou-a ao vidro. O som dos estilhaços ainda o deixou mais triste. Mas ninguém apareceu para reclamar a tropelia. As formigas continuaram o seu caminho.
Ela chegou de passo acelerado e a gesticular, explicações, explicações. Ele segurou-lhe os braços e apontou-lhe a janela, ela calou-se e não percebeu nada.
Ele afastou-se deixando-a a chamá-lo repetidamente pelo nome, justificadamente a contar a razão do seu atraso.


(in Portas & Janelas, Julho-2014)

Todas as fotografias da Colecção Portas & Janelas são da autoria de Eduardo Jorge Silva

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