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segunda-feira, 4 de maio de 2015

[a meio] As folhas



Levanto uma pontinha e espreito, tudo calmo. É esperado que a esta hora durmam, se alastrem quentes e felpudos misturando-se entre pregas de roupa amarfanhada por patas escondidas sob tufos a fazer de peitilho branco. Amoitados.
Sigo a minha vida.
Fecho o caderno, fecho os sons deste lado onde se negoceiam números, contratam-se compromissos para o ano seguinte e se analisam desvios, pouso o telefone, bato nas teclas sem som e o som dos dedos de todos nas teclas assemelha-se ao galope da cavalaria.
Ergo um cantinho e neste lado é contemplação. Enquanto mastigam e ajeitam bochechas, o olhar desprende-se do verde e segue o pássaro, a folha agitada pelo vento, uma mosca danada que veio pousar do lado de fora do vidro e zune junto ao caixilho da janela sobre a bancada. Afoito-me e quase espalmo a página, para tropeçar na cauda dele, comprida, que sentado ao lado da secretária em frente à outra janela vigia a rua com atento domínio. Rosna, treme-lhe o beiço, retoma a compostura.
Ao fechar o caderno ainda lhe consigo ouvir o ladrar furioso.
E rio-me. E levo-me até não ser preciso espreitar para o outro lado porque sei que estou a chegar a ele.

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