Todos os textos são originais e propriedade exclusiva do autor, Gasolina (C.G.) in Árvore das Palavras. Não são permitidas cópias ou transcrições no todo ou/e em partes do seu conteúdo ou outras menções sem expressa autorização do proprietário.

terça-feira, 24 de março de 2015

C782 - Comidinhas



Tá tudo?
Tá tudo!!
Lá vamos, costas pressionadas no encosto pela fúria do arranque e brusquidão da travagem, um chocalhar de órgãos que ginastica as paredes abdominais ou recorda aos ácidos estomacais que se devem manter dentro do seu saco, não senhor! nada de azias ou amargos de boca a hora tão matutina, é fome mesmo ou apenas comichão de dentes à mistura com a conversa do parceiro do lado e com o outro do lugar da frente, toques no ombro:
- É servido?
- Estou a fazer o mesmo! Um presuntinho da terra da minha sogra!
Estalam os papéis metalizados no desembrulho da descoberta, miséria que é pão do passado e nem o cheiro das iguarias vizinhas afastam o seco da língua à medida que chucham o pacotinho de leite achocolatado até o mirrar com o som de um ralo de banheira vazando.
Os olhos famélicos dos viajantes de pé recolhem as migalhas saltitantes, sacode-se a uso o depósito de saias e disfarçadamente vai o punho para limpar os cantinhos da boca, mais um golinho de yogurte liquido aroma de shampoo.
Os saltos e as curvas ajudam à digestão, todo o tempo é pouco e o trabalho espera, tá tudo, tá tudo, que pena já foi tudo, se ao menos o presuntinho da sogra ainda fosse oferecido, tomara que se engasgue... Mas o parceiro egoísta, até final da viagem há-de debater-se com um nervo que lhe ficou atravessado entre dentes e nem a luta de língua e dedos lho conseguirá sacar de tal sitio apertado.
Maldições de sogra, pensa ele.




(in As fantásticas aventuras do C782, Novembro 2014)


Sem comentários: