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quarta-feira, 24 de julho de 2013

A minha terra




A penúltima vez que caí foi na cidade grande. Um tombo à séria, de ficar de quatro sem me conseguir erguer de tão atordoada, a tremer, dorida, os pertences espalhados, as meias rotas. Era hora de ponta, logo pela manhã. Habitualmente, rio dos que caiem e rio de mim própria nessa mesma figura. É estupido e incontrolável. Mas nesse dia os joelhos a sangrarem e os pulsos a latejarem tiraram-me o pio e eu mordi a lingua para não berrar com a dor que sentia.
Quem passava olhava. E prosseguia.
Eu sei disso, porque por entre as melenas vi os sapatos a abrandarem junto a mim, outros nem tanto, mantiveram o seu ritmo acelerado, e claro, todos se desviaram do meu corpo.
Ninguém parou para me perguntar se necessitava de ajuda, se eu estava bem.
Provavelmente eu teria mentido e responderia que estava tudo bem, ao começar a colher as minhas coisas espalhadas..
Nessa manhã, agarrei as minhas coisas do chão e o coração também.
Hoje caí.
Nada de tão aparatoso nem com consequências dolorosas como alguns anos atrás. Era final de dia e eu vinha perdida no meu mundo, desci dois degraus e só vi um, ajoelhei, não perdi nada das mãos.
A surpresa da queda é igual ao estalido dos dedos que o hipnotizador usa para trazer as suas cobaias à realidade. Num repente, eu estava ali, tinha descido à terra (literalmente ao cimento) e um ror de gente feita mãos, feita bocas e vozes, feita narizes e olhos, tudo enorme para me trazer para um sitio seguro. E eu a perguntar para dentro de mim como é que tinha ido ali parar...
É a minha terra. Não nasci aqui. Na minha terra. Mas já amei, já chorei, já ri muito muito, já dancei e escrevi e o Rio que a molha a separar do outro lado, aquele de lá, o da cidade grande, tem esta coisa no peito das gentes. Deve ser por isso, que um dia, disseram que isto por aqui era um deserto.



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