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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Maria da Luz




Falar dela sem exagerar e sem cortar no esmero da sua postura, dos seus modos, dos seus medos, da pequena tremura que tenta disfarçar ao embrulhar no indicador a ponta do guardanapo ou o que sobra do cinto quando está mais magra, ou quando se apercebe do amarelado entre dedos e desesperada procura espaços entre roupa sem bolsos à medida que tenta controlar a vontade salivar de fumar.
Sobretudo falar de Maria da Luz é falar de silêncios.
Falar de amores, diversos amores extremados até à dor física vincar pelo estômago e ninguém se aperceber. Só um rubor que até lhe vai muito bem, ou uma palidez transparente que lhe entrega recato. Ninguém desconfia das suas dores, só lhe adivinham o nome, a luz, a casa, os filhos, a dedicação, os vestidos de bolinhas, a cesta da malha.
Não lhe sabem o caderno de confissões tresmalhado entre novelos de cores inocentes como se quer a uma dona-de-casa que não sabe de nada do mundo a não ser de meninos, de cozinha e de jardins plantados de rosas, não lhe querem sabida de nada que a mulher não foi feita de luzes sequer acesas para o amor.
Eu gosto de Maria da Luz.
Dos seus silêncios na ponta da cama a tirar meticulosa farrapos de tabaco mal fumado que lhe ficaram presos amargamente na língua enquanto pensa onde há-de esconder o caderno das suas confissões poemadas e de olhar perdido nas contas brancas do vestido azul marinho pendurado no guarda-fatos como um morto anunciado.

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