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terça-feira, 12 de junho de 2012

A evasão



Ao inicio da tarde assentou-lhe uma calmaria que foi entendida como concentração para o desenvolvimento de um trabalho especialmente meticuloso e particularmente dificil, razão pela qual não lhe estranharam o silêncio e o olhar semi-cerrado, quase fixo sobre o monitor, apenas interrompido pelo pestanejar automático da lubrificação. O corpo havía-se deslizado pela cadeira e a curvatura do dorso diminua-lhe a presença, desacelerava-lhe a respiração, só o braço direito sobre a mesa com a mão a tapar o rato computorizado emitía sinal de movimento, o mais o resto parecía ser parte tão inerte quanto o mobiliário de escritório.
Somava notas recolhidas de cadernos em reuniões ou trocadas por correio electrónico, apagava superfluos pessoais, usava palavras-chave e estrangeirismos que encurtavam frases, sombreava letras maísculas e referenciava a asteriscos casos anteriores.
Era tudo uma repetição, pensava, mudavam os agentes mas a acção era sempre a mesma, e ele sempre o mesmo a provocá-la, ele o gatilho. Sentiu-se extenuado, porém não parou, de olhos fechados, a mão em concha sobre o rato, a pele do corpo a rasgar-se sob a camisa, a gravata, as calças, alguma coisa de si a fugir-lhe e ainda o relatório a progredir na atenção extrema que lhe é peculiar, uma porta que alguém deixou aberta e que se fechou a bater, quem bateu com a porta?, todas as cabeças a rodarem na direcção do estrondo, que susto, o momento da tarde sem dúvida e ele nem pestanejou, é uma fera.
Ao final da tarde restam poucos com concentração e vontade para se manterem, só ele ainda na posição torta, o braço sobre a mesa, uma palidez mais que branca do halógeneo cruel traído pela noite que se ouve chegar, até amanhã, ainda ficas?

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