Pediu um café e ela serviu-lhe o café. Alguém lhe perguntou como se sentía ela. Ela esfregou as mãos devagar junto ao peito e ensaiou um sorriso, tirou mais um café e depois outro, que chegara um novo cliente. Ninguém insistiu pela resposta que ficara por dar, dirigíam-lhe cumprimentos, fazíam-lhe os pedidos e adiante que ninguém tinha tempo, o tempo corre, o tempo morde.
A meio da manhã a freguesia abrandou, ela limpou o balcão com o pano branco, enxugou as mãos e respondeu em silêncio como se sentía.
Hoje sentía-se noiva. Ao fim de quarenta e três anos de matrimónio. O último já sózinha, que o marido fora-se sem aviso numa madrugada de hospitais.
Olhou as quatro alianças na mão esquerda, ouro, prata, ouro, prata.
O rádio sempre ligado anunciou as onze, vieram as noticias, ela contou muitas vezes os anéis, lembrou a cerimónia dessa Primavera bonita, coisa simples, eles e as testemunhas que a familia estava longe no Norte. À noite ele levou-a para dançar e dançaram muito e amaram-se muito pela madrugada dentro.
Era assim que se sentía.
-Dá-me um café por favor?
Era assim que se sentía hoje porque o tempo morde, o tempo corre e ninguém tem tempo.
1 comentário:
é bom sentir-se a gente com vida (porque a vida é feita de pequenos nadas) quem disse?
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