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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Presente

As desculpas de criança há muito que havíam ficado para trás, que esta coisa do social cresce à medida dos anos a aumentarem e da vida a minguar.

Nunca gostara de funerais, velas, murmurar os pesâmes na mão tremulamente segura, afastava-se quando o assunto se deitava no funesto, conseguira durante muito tempo manter-se afastado desse episódio e alturas houve que o imaginário se lhe rasgou a assistir aos serviços últimos da sua pessoa como vez única.

Mas agora, sentía um novelo no peito a engasgar-lhe o ar e a vontade empurrava-o no sentido contrário. Quería estar perto do amigo, lastimar a perda como sua, dar-lhe a entender nos gestos e nas palavras que a dor era partilhada como alivio. Talvez de ambos, talvez de si que fugía da palavra como truque para evitar a evidência incontornável.

Por isso abraçou o amigo, sentiu-lhe a testa quente no ombro e as palmas suadas nas costas, enxugou-lhe as lágrimas e mordeu a língua com força para sentir outra dor que disfarçasse as suas próprias lágrimas a quererem romper. Nada disse ou pensou. Limitou-se ao aperto do corpo junto ao seu, beijou-o na face de barba por desfazer, conciliou-se no momento da morte como vida que se abocanha mais e nunca tanto como nesses segundos sentiu o que era ter um amigo.

1 comentário:

Náná, a emergente disse...

Texto sobre texto, numa cadencia forte como não me lembro de ao fim de ano e meio de visitas, ter alguma vez visto por aqui. A doçura e a dureza, o feminino e o masculino, rasgos de sinceridade e construções de reconstruções entre os vários eus tus, sinonimos e nem por isso. Tudo se completa e no espanto, consome e cria.

Funerais, vou aos dos que me povoam e dos que de alguma vez povoaram. Me habitam. Do último a que fui, pedi como herança uma colher de pau. A mais velha, por favor, tenham em atenção. Olharam para mim e não perceberam.

Ela nunca deu uma gargalhada forte e sonora. Mexeu a sua vida ao longo da vida, pacientemente, sem nunca dar uma gargalhada que fosse.

E despedi-me com pena.


De ti, despeço-me com um beijo.